Para contextualizar a matéria, relembremos que ao julgar a ADC nº 49 o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que não incide o ICMS nas operações de transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
Posteriormente, ao apreciar os embargos de declaração opostos, a Corte modulou os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pro futuro, isto é, a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito (29/04/2021).
Por sua vez, quanto ao direito à manutenção e transferência interestadual dos créditos do ICMS do estabelecimento remetente das mercadorias para o destinatário, o STF havia definido que, uma vez exaurido o prazo mencionado acima, sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, ficaria automaticamente reconhecido o direito dos contribuintes de transferirem tais créditos.
Nesse contexto, então, o Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ aprovou e publicou hoje, 01/11/2023, o Convênio Confaz nº 174/2023, que disciplina a forma de transferência interestadual de créditos de ICMS.
Em linhas gerais, o Convênio nº 174/2023 estabelece:
· A obrigatoriedade da transferência do crédito do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino;
· A apropriação do crédito pelo estabelecimento destinatário se dará por meio de transferência do ICMS, pelo estabelecimento remetente, do ICMS incidente nas operações anteriores;
· O lançamento será feito a débito na escrituração do estabelecimento remetente, mediante o registro do documento no Registro de Saídas, e a crédito na escrituração do estabelecimento destinatário, mediante o registro do documento no Registro de Entradas;
· A transferência será procedida a cada remessa, mediante o destaque do ICMS no campo destinado ao imposto na respectiva Nota Fiscal; e
· A sistemática não importa no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pelo Estado de origem, e, portanto, o ICMS deve ser demonstrado no documento fiscal normalmente.
O que chama a atenção inicialmente é o fato de a matéria ter sido disciplinada por simples Convênio e não por uma lei complementar, como, a nosso ver, seria o correto. Inclusive, já há o Projeto de Lei do Senado n° 332, no qual se prevê alterações na Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) para prever expressamente a não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.
Era esperado que a disciplina quanto a transferência dos créditos viesse neste projeto de lei. Como sabemos, a introdução de regulamentações importantes como esta por meio de norma infralegal normalmente é alvo de questionamentos judiciais (com a devida razão), o que provavelmente ocorrerá neste caso também.
Um dos pontos previstos no Convênio que merece atenção e que provavelmente será questionado é quanto à obrigatoriedade da transferência do crédito do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino. Essa obrigatoriedade não faz sentido quando, por exemplo, o estabelecimento destinatário é detentor de algum benefício fiscal que não permita a utilização de créditos do imposto. Ou seja, os créditos serão transferidos para um estabelecimento que não poderá utilizá-los.
Quanto a esta questão, aponta-se que o Estado do Rio de Janeiro publicou em 16/11/2023 o Decreto nº 48.799 por meio do qual não ratificou o Convênio ICMS nº 174/2023. Conforme consta neste Decreto, a não ratificação se deu justamente por conta da cláusula do Convênio que prevê a obrigatoriedade na transferência dos créditos, o que, para o Governo do RJ, afrontaria a decisão do STF, a qual prevê a transferência como uma opção e não uma obrigação.
Diante da não ratificação pelo RJ, o Confaz revogou o citado Convênio em 20/11/2023 por meio do Ato Declaratório nº 44/2023. Havia então a expectativa de que o Confaz publicasse um novo Convênio tratando a transferência como uma opção do contribuinte. Porém, não foi o que aconteceu, já que na sexta-feira, 01/12/2023, o Confaz publicou o Convênio ICMS nº 178/2023, o qual possui praticamente o mesmo conteúdo do anterior.
Por fim, aponta-se que as previsões contidas no novo Convênio nº 178/2023 só produzirão efeitos a partir de 1º/1/2024.
Em caso de maiores esclarecimentos, estamos à inteira disposição.
CIRINO FERREIRA ADVOGADOS
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