Embora a possibilidade legal de transação de débitos tributários federais tenha sido instituída em 2020 com a publicação da Lei nº 13.988/2020, somente agora a Receita Federal publicou a Portaria RFB nº 208/2022 para disciplinar a criação de um programa de transação amplo no âmbito dos débitos tributários sob sua responsabilidade.
Com efeito, a Receita Federal é responsável pela fiscalização e lavratura de autos de infração para a cobrança de débitos tributários federais. Uma vez encerrado o processo administrativo de cobrança perante a Receita Federal, a dívida tributária não paga pelo contribuinte é enviada à Procuradoria da Fazenda Nacional para inscrição em dívida ativa e cobrança coercitiva, especialmente por meio do ajuizamento de execução fiscal.
Diferentemente da Receita Federal, que até então estava inerte em relação ao tema, a Procuradoria da Fazenda Nacional já havia instituído diversos programas de transação para a negociação de débitos inscritos em dívida ativa (cita-se, por exemplo, a transação extraordinária; a transação excepcional; a transação individual; a transação para o setor de eventos (PERSE) etc.).
Como já noticiado neste Blog, em junho deste ano foi publicada a Lei nº 14.375/2022 que introduziu uma série de mudanças na Lei nº 13.988/2022 para aperfeiçoar os mecanismos de transação, para conceder maiores prazos de parcelamento e maiores descontos e também autorizar, por exemplo, a utilização de créditos de prejuízo fiscal de IRPJ e de base negativa de CSLL para a negociação das dívidas tributárias, o que até então não era possível.
Foi nesse contexto que foi editada a supracitada Portaria RFB nº 208/2022, a qual disciplina os procedimentos, os requisitos e as condições necessárias à realização da transação dos créditos tributários sob administração da Receita Federal.
Destaca-se, como se verá abaixo, a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal de IRPJ e base negativa de CSLL, inclusive para liquidação do valor principal das dívidas, bem como a utilização de precatórios federais próprios ou de terceiros.
Vejamos, abaixo, os pontos mais relevantes dessa nova Portaria:
Serão admissíveis três tipos de transação no âmbito da Receita Federal: (i) transação por adesão; (ii) transação individual por proposta do contribuinte; e (iii) transação individual simplificada; e (iv) transação individual por proposta da Receita Federal;
Com exceção da transação individual simplificada, que só valerá a partir de 1º/01/2023, todas as demais passam a valer a partir de 1º/09/2022.
Poderão ser incluídos nos programas de transação perante a Receita Federal, débitos tributários ainda em fase de cobrança administrativa, inclusive aqueles que estejam inseridos em contencioso administrativo, seja em fase de impugnação ou recursal.
A transação por adesão dependerá da publicação de edital específico pela Receita Federal, a partir de 1º/09/2022, no qual o Órgão especificará as condições, requisitos e benefícios do programa, cabendo ao contribuinte-devedor decidir se efetua a sua adesão ou não.
Poderão propor transação individual junto à Receita Federal, a partir de 1º/09/2022, os contribuintes que possuam débitos em contencioso administrativo em valor superior a R$ 10 milhões; bem como os devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial ou em intervenção extrajudicial; as autarquias, fundações e empresas públicas federais; e estados, Distrito Federal e municípios e respectivas entidades de direito público da administração indireta.
Por sua vez, os contribuintes com dívidas tributárias discutidas em processos administrativos com valor entre R$ 1 milhão a R$ 10 milhões poderão propor à Receita Federal transação individual simplificada, somente a partir de 1º/01/2023.
As transações poderão envolver alguns benefícios, como: (i) concessão de descontos aos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação; (ii) possibilidade de parcelamento, diferimento ou moratória; (iii) flexibilização das regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de arrolamentos e demais garantias; (iv) possibilidade de utilização de precatórios federais próprios ou de terceiros, para amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado; e (v) a utilização de créditos de prejuízo fiscal de IRPJ e de base de cálculo negativa de CSLL, até o limite de 70% do saldo remanescente após a incidência dos descontos, podendo incidir inclusive sobre o valor do principal da dívida. A concessão dos citados benefícios (descontos, quantidade de parcelas, utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL etc.) levará em conta o grau de recuperabilidade das dívidas tributárias, nos termos dos requisitos estabelecidos na Portaria RFB nº 208/2022.
Especificamente aos créditos de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL, será admitida a utilização de créditos da própria pessoa jurídica, bem como de titularidade do responsável tributário ou corresponsável pelo débito, de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, apurados e declarados à RFB, independentemente do ramo de atividade, no período previsto pela legislação tributária.
Importante ressaltar que, ao contrário da transação perante a PGFN (Portaria PGFN nº 6.757/2022), a Portaria RFB nº 208/2022 não limita a utilização dos créditos de prejuízo fiscal de IRPJ e base de cálculo negativa de CSLL aos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação e também não veda a utilização desses créditos nas transações por adesão ou individual simplificada.
Não será autorizada transação, individual ou por adesão, que: (i) reduza o montante principal do crédito tributário, salvo no caso de utilização de créditos de prejuízo fiscal e saldo negativo de CSLL; (ii) implique redução superior a 65% do valor total dos créditos a serem transacionados e que conceda prazo de quitação dos créditos superior a 120 meses (para as pessoas físicas, MEI, EPP, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas, instituições de ensino e demais organizações da sociedade civil, esses limites são de 70% e 145 meses); (iii) envolva devedor contumaz, conforme definido em lei específica; dentre outras vedações.
Portanto, a publicação desta Portaria é o primeiro passo para que os contribuintes possam negociar suas dívidas tributárias junto à Receita Federal, antes do encaminhamento para inscrição em dívida ativa da União.
Em síntese, a partir de 1º/09/2022 os contribuintes que se enquadram nos requisitos para apresentar proposta individual poderão negociar suas dívidas diretamente com a Receita Federal, tal qual já ocorre com a Procuradoria da Fazenda Nacional. Os demais contribuintes deverão aguardar a publicação de edital pela Receita Federal para decidir pela adesão ou não. Já os contribuintes com débitos entre R$ 1 milhão a R$ 10 milhões, e que desejem negociar diretamente suas dívidas com a Receita Federal, deverão aguardar até 1º/01/2023.
Ficamos à disposição para eventuais esclarecimentos sobre o novo programa de transação.
Comentarios